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sábado, 19 de setembro de 2009

Ditadura e música por Ruy Castro...


Foi anteontem, há pouco mais de 40 anos, na final de um festival da canção. A vitoriosa "Sabiá" estava sendo vaiada por 15 mil bocas no Maracanãzinho -e aplaudida por, se tanto, 10 por cento disso. A malta não se conformava com que a guarânia de Geraldo Vandré, "Caminhando", com sua letra explosiva, perdesse para "aquela modinha" de Tom Jobim e Chico Buarque.

Alguém soltou dois sabiás quando o aturdido Tom e a dupla Cynara e Cybele entraram para cantar. A intenção era boa, mas as pobres aves voaram em direção às luzes e, desorientadas, deram uma rasante sobre a platéia -foram capturadas e despedaçadas. Naquela noite, os sabiás eram a alienação, o conformismo, a passividade diante da ditadura.Vandré, pouco antes, tentara consolar o público com uma frase de efeito: "A vida não se resume a festivais" -embora estes fizessem grande parte da sua, porque ele disputava dois ou três por ano.

Nelson Rodrigues, assistindo pela TV, constatou que o rosto de Vandré, em close, não disfarçava o travo pela derrota. "Fosse outro", escreveu Nelson, "ligaria empolgado para a mãe: "Mamãe! Mamãe! Tirei o segundo lugar!'".

Ao contrário do que a posteridade daria a entender, os estudantes de 1968 não saíam às ruas cantando "Caminhando" ou qualquer outra. Quem cantava nas passeatas era a borracha da polícia nas costas dos rapazes e moças -e alguns destes, que às vezes se cantavam mutuamente depois que a passeata terminava e o perigo passara.

Mas a ditadura durou o suficiente para fazer da cantiga de Vandré um clássico do panfleto, assim como a linda "Sabiá" se tornaria o hino dos exilados. A música popular tinha essa força -fornecia-nos a trilha sonora e, com isso, nos fazia acreditar que éramos os astros e estrelas dos nossos próprios filmes.
Texto: Ruy Castro

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